“Grupo filma cirurgia e vaza vídeo sem autorização
Os profissionais que filmaram e divulgaram na internet uma cirurgia para a retirada de um peixe de dentro de um paciente, feita no Hospital Universitário de Londrina, no norte do Paraná, estão sendo investigados pelo CRM (Conselho Regional de Medicina) do Estado sob suspeita de quebra do código de ética.
Caso seja comprovado que foram os médicos os responsáveis por vazar as cenas, eles passarão por processo administrativo no conselho e podem até perder a licença.
O vídeo da operação, feito sem a autorização do paciente ou de sua família, foi parar na internet no início do mês. A cirurgia, realizada no dia 20 de abril, era para a retirada de um peixe do ânus do paciente, via abdômen.
Na gravação, é possível ver dezenas de pessoas dentro da sala de cirurgia, muitas registrando a cena com celulares e caçoando da situação (…)
A UEL (Universidade Estadual de Londrina), responsável pelo hospital, informou que abriu uma sindicância.”
Ontem falamos sobre a divulgação das foto da atriz nua. No caso, ela mesma havia tirado suas fotos e, logo, não há de se falar de autorização. No caso da matéria acima, as fotos e filmagens foram feitas por terceiros e sem autorização da vítima. Em ambos os casos, a divulgação de fotos e filmagens que ferem a honra da pessoa pode constituir difamação. E não importa que quem filmou ou tirou a foto também esteja no filme/foto: o que importa é que a vítima estava lá (pense, por exemplo, na foto do governador com o guardanapo na cabeça no restaurante em Paris: não interessa que quem divulgou era um dos personagens da foto).
Mas vamos por partes:
A difamação ocorre não apenas quando se diz algo, mas também por meio escrito ou visual, como nos casos acima.
O importante é que o fato chegue ao conhecimento de uma terceira pessoa. Isso porque tanto a difamação quanto a calúnia ofendem a honra objetiva da vítima, ou seja, o valor social da pessoa. Logo, é necessário que uma terceira pessoa tome conhecimento do que foi divulgado pelo criminoso contra a vítima. Isso ajuda a diferencia-la de outro crime: a injúria, na qual se protege a honra subjetiva, ou seja, a opinião que a vítima tem de si mesma. É por isso que, no caso da injúria, não é necessário que uma terceira pessoa tome conhecimento do que foi divulgado para que o crime esteja configurado: basta que a própria vítima tome conhecimento.
E se o que foi divulgado for verdadeiro? Não importa que seja verdadeiro: ainda assim terá ocorrido a difamação. Ao contrário da calúnia, a difamação ocorre ainda que o que foi divulgado seja verdadeiro.
Então quer dizer que todas as vezes que um jornalista divulga uma informação verdadeira em relação a um político corrupto ele está cometendo uma difamação?
Não. Isso porque, para que haja a difamação, a pessoa precisa ter agido dolosamente. É o que os juristas chamam de animus diffamandi, ou seja, o criminoso precisa ter desejado ou assumido o risco de difamar o ofendido. O primeiro caso é fácil: poucas pessoas realmente querem difamar. O segundo caso é que é complicado, já que muitas vezes assumimos o risco de ofender, ainda que não queiramos. Por exemplo, quem divulgou as fotos da atriz pelada ou o vídeo da cirurgia acima pode até não ter desejado ofender a honra das vítimas, mas assumiu o risco e, por isso, cometeu o crime.
Mas um jornalista muitas vezes também está assumindo o risco, não? (Pense, por exemplo, nos jornalistas que reportaram a foto do governador com os guardanapos na cabeça mencionado acima). E a mesma coisa para o comediante que faz uma piada sobre alguém. Isso quer dizer que o jornalista e o comediante são tratados da mesma forma que alguém que divulga fotos comprometedoras de alguém?
Não. Isso porque a lei não pune quem age com mero propósito cômico (animus jocandi: pense nas colunas do José Simão), narrativo (animus narrandi: pense nos jornalistas que reportam os fatos, ainda que os fatos sejam ofensivos ao personagem da matéria), de defesa (animus defendendi: pense no caso do advogado de defesa que usa palavras que ofendem a vítima no intuito de defender seu cliente), de disciplina (animus corrigendi vel disciplinandi: pense na professora que chama a atenção do aluno por seu mau comportamento). E tampouco a lei pune o que é dito durante um momento de exaltação emocional, ou seja, de uma briga. Mas tudo tem limite: se o jornalista ou o comediante ‘pega excessivamente pesado’, a lei vai punir o excesso. Se o namorado, no meio da briga, diz coisas que vão muito além do que uma pessoa normal em situação idêntica diria, ele responderá por seu excesso.
Mas as fotos da atriz nua ou o filme da cirurgia acima são verdadeiros. Não houve montagem. Mesmo assim eles difamaram? Sim. Não importa que seja verdadeiro. Se houvesse montagem (por exemplo, colocar a cabeça da atriz no corpo de outra pessoa nua), seria difamação. Mas mesmo sem montagem, ainda há difamação. Novamente: na difamação, não importa que os fatos alegados sejam verdadeiros: o que importa é que a honra objetiva da vítima foi atingida e que quem a atingiu assumiu tal risco. Há apenas uma exceção relevante: no caso de servidores públicos no exercício de sua função. Ou seja, quando os fatos ofensivos se referem a um servidor público no trabalho, quem for réu de um processo de difamação pode provar que o que disse é de fato verdadeiro. Se provar que o que disse é verdadeiro, não haverá crime de difamação. É o que os juristas chamam de exceção da verdade: o direito de provar que o que disse é verdadeiro, ainda que tenha ofendido a honra objetiva da vítima propositadamente.